Revue Thommen Cricket
por Flávio Maia
Os primeiros despertadores
Antes do surgimento dos primeiros burgos, o conhecimento exato das horas não era necessário. A sociedade feudal não apresentava as complexidades que posteriormente existiriam nas cidades e que tornariam necessária a exata compreensão da dinâmica temporal.
Os primeiros “relógios mecânicos” não marcavam as horas. Eram apenas mecanismos projetados para acionar um despertador em momentos determinados. Tornaram-se imprescindíveis nos monastérios medievais (e apenas lá), uma vez que os frades seguiam uma rotina rígida de atividades. O esquecimento do instante de uma oração, por exemplo, poderia significar o caminho mais curto para o inferno.
A sociedade urbana, desenvolvida em torno do rígido controle de horários (para o funcionamento de fábricas, comércio, etc.), propiciou a evolução técnica dos relógios. No final do século XIX já era possível adquirir relógios de bolso com despertadores extremamente precisos.
A disseminação dos relógios de pulso, tornando antiquados os modelos de bolso, porém, implicou num grande desafio para os projetistas. Como miniaturizar um movimento mecânico dotado de despertador sem sacrificar a precisão e tamanho do relógio? Além disso, como produzir um mecanismo que emitisse um alarme de intensidade razoável?
Surge o Cricket
Robert Ditisheim resolveu, em 1947, o problema que todos os projetistas imaginavam ser insolúvel. Criou o primeiro relógio de pulso dotado de um despertador acústico: o Cricket.
Ditisheim, com o seu vasto conhecimento científico, aplicou no relógio os mesmos princípios de amplificação do som utilizados pelo grilo (em inglês, cricket).
O inseto, apesar de pequeno, consegue produzir um som ensurdecedor, pois utiliza suas asas com câmara amplificadora. No relógio, o som é criado pelo impacto de um pequeno martelo sobre uma membrana acústica. O som, então, é amplificado numa sobre-tampa traseira, que também impede seu abafamento de pulso do usuário.
O relógio ganhou a imediata atenção de todos, sobretudo daqueles que necessitavam de uma maneira de lembrar seus compromissos. Tornou-se conhecido como o “Relógio dos Presidentes”, por ter sido usado por Eisenhower, Jonhson e Nixon.
A noção de “manufatura”
“Muitas marcas afirmam, correta ou incorretamente, ser uma manufatura. As leis não escritas do ramo, porém, estipulam que uma companhia somente pode utilizar tão cobiçado título se produzir pelo menos um dos seus calibres por conta própria. O simples acabamento e montagem de partes compradas de outros fornecedores é denominado établissage na terminologia de relojoaria”(Chopard Manufacture, 1999 – tradução livre).
Com o advento dos relógios eletrônicos, os suíços iniciaram um intenso processo de padronização dos movimentos usados nos relógios mecânicos, visando a melhoria dos produtos e redução dos custos.
O número de modelos de ébauches (um movimento sem acabamento) existente no mercado diminuiu consideravelmente após a década de 1970. A maioria das fábricas que produziam seus próprios movimentos passou a utilizar ébauches manufaturados por empresas especializadas, modificando-os para seus próprios padrões de qualidade.
Atualmente, a produção mundial de ébauches é dominada pela ETA, uma empresa do Swatch Group. Não é de se estranhar a grande semelhança entre os relógios suíços fabricados nos dias de hoje, mesmo de marcas diferentes, pois a maioria usa movimentos ETA.
Isto não significa, porém, que os modelos produzidos exclusivamente para determinado modelo sejam superiores tecnicamente (como a Chopard pareceu insinuar no trecho acima). O aperfeiçoamento de ébauches sempre foi uma constante na indústria suíça. Breguet, considerado o maior relojoeiro de todos os tempos, utilizava um grande número de ébauches de outros relojoeiros, adaptando-os aos seus padrões de qualidade. O mesmo procedimento é adotado pela maioria das fábricas atuais, que apesar de usarem ébauches (e também movimentos completos) fabricados pela ETA, incluem diversas modificações nos mesmos.
Qual seria, então, a vantagem de um relógio equipado com um movimento produzido pela própria fábrica? Em poucas palavras, a possibilidade de oferecer ao público algo único no gênero, não encontrado em nenhuma das grandes manufaturas de ébauches.
O Cricket é equipado com um movimento produzido pela própria Revue Thommen desde 1947, denominado calibre 80. Este contém 161 peças, 17 rubis e um sistema integrado de despertador.
Conclusões
O Revue Thommen Cricket é, sem dúvida alguma, um relógio bastante interessante, em virtude do seu sistema de despertador. A intensidade do som emitido não tem similar em nenhum dos outros modelos disponíveis no mercado. Além disso, o relógio tem um preço bastante razoável, sobretudo para um modelo equipado com um movimento produzido artesanalmente pela própria Revue Thommen, o que efetivamente causa um aumento nos custos de produção.
Foto do calibre 80 por Roland Ranfft; foto da tampa traseira do relógio por Marc Rochkind.
A Revue Thommen encerrou a fabricação do Cricket no ano de 2001, quando foi adquirida pela Grovana. Atualmente, o relógio voltou a ser fabricado pela marca que o lançou no mercado, a Vulcain.