Relógios Mecânicos
Relógios Mecânicos
Artigo | Curiosidades

O Sistema Americano de Manufatura

por

Flávio Maia, Agosto de 2020.

Os Estados Unidos da América estavam em festa. Apenas um século depois da independência e com as memórias da Guerra Civil ainda vívidas, despontavam no horizonte como uma das maiores potências econômicas do planeta. E pretendiam, com toda pompa e glória, celebrar a data.

No dia 10 de maio de 1876, sinos tocaram em toda Filadélfia anunciando a abertura da “Exposição do Centenário”. Então, o presidente Ulysses Grant e o Imperador Dom Pedro II do Brasil deram início às festividades, ao simbolicamente acionarem a máquina a vapor “Corliss”, que alimentaria todos os aparelhos instalados no pavilhão. Nos meses que se seguiram, milhões de pessoas visitaram a exposição, entre elas, Jacques David, Engenheiro Chefe da Longines.

Jacques David nasceu na Suíça e graduou-se como engenheiro em Paris, em 1866. Logo após retornar da França, foi contatado pelo seu primo, Ernest Francillon, para se juntar à recém-inaugurada Longines, onde se tornou responsável pelo desenvolvimento técnico de maquinário para produção de relógios.

Durante a década de 1860, a exportação de relógios suíços para os Estados Unidos havia aumentado gradativamente, até atingir o pico de 18.3 milhões de francos, em 1872. Por volta de 1876, no entanto, as exportações haviam caído a apenas 4.8 milhões, e os suíços resolveram investigar os motivos.

Então, Jacques David e os companheiros Théodore Gribi e Edouard Favre-Perret seguiram até a exposição na Filadélfia para apurar os fatos.

Quando chegou na exposição, Jacques David imediatamente se dirigiu ao setor da manufatura americana de relógios Waltham e, para sua surpresa, descobriu que expunham uma máquina para fabricação automática de parafusos, algo que os suíços nunca tinham visto. Mas não só … Durante a exposição, um relógio Waltham venceu o primeiro concurso mundial de cronometria!

Nos meses seguintes, David, Gribi e Perret visitaram fábricas americanas de relógios observando detalhadamente os métodos de produção, algo que certamente podia ser considerado espionagem industrial. Os americanos não se importaram, pois tinham plena consciência nas suas capacidades técnicas e, agora, julgavam-se os melhores fabricantes do planeta.

Quando retornou à Suíça, conforme narrado por David Landes, Favre-Perret contou uma experiência pessoal:

“Pedi ao director da Waltham um relógio do quinto grau de qualidade. Abriram à minha frente um grande cofre; tirei um relógio de bolso ao calhas e pendurei-o na minha corrente. O director pediu-me para ficar com o relógio durante um dia ou dois para ver se estava bem regulado e eu respondi: “Pelo contrário, insisto em usá-lo tal com está, por forma a ficar com uma ideia exacta sobre a vossa manufactura.” Em Paris, acertei o relógio por um relógio regulador no Boulevard e, no sexto dia, verifiquei que a diferença era de apenas 30 segundos. E este relógio era do quinto grau dos americanos – custa 75 francos (movimento sem caixa). À minha chegada a Le Locle, mostrei o relógio a um dos nossos melhores ajustadores, que me pediu autorização para o desmontar…. Ao fim de alguns dias, veio ter comigo e disse-me, palavra por palavra: “Estou completamente esmagado; o resultado é incrível; não encontraríamos um relógio como este em cinquenta mil dos manufaturados por nós”.

O que havia acontecido? Por que os suíços tinham perdido a hegemonia do mercado? Como os americanos evoluíram tão rápido?

Sobre mosquetes, relógios de madeira e outras coisinhas

Ao final da “Guerra dos Sete Anos” (1756 – 1763), os franceses perceberam que sua artilharia estava defasada em relação a outros países europeus, sobretudo a Áustria. Então, o Tenente General francês Jean Baptiste Vaquette de Gribeauval, que havia servido no exército austríaco, foi chamado para reorganizar a artilharia, sobretudo através da uniformização dos armamentos utilizados.

Inspirado por este trabalho, o armeiro francês Honoré Blanc tentou criar um sistema para produzir mosquetes com peças intercambiáveis, que permitiriam a fabricação e reparos mais rápidos em situações de guerra. Blanc não conseguiu construir peças efetivamente intercambiáveis, mas através de um sistema de gabaritos comparativos, tornou possível uma fabricação mais rápida. Céticos, os europeus não se interessaram…. Então, Blanc procurou Thomas Jefferson, que na época era embaixador americano na França, e apresentou-lhe suas ideias. Logo após, Jefferson pediu que Blanc se mudasse para os Estados Unidos para implementá-las, mas como este não quis, acabou por convencer o presidente americano a fundar um arsenal para fabricação de armas.

O arsenal, construído em Springfield, Massachusetts, passou a fabricar armas tendo como objetivo a produção em massa e intercambiabilidade de peças. À medida que os métodos baseados na doutrina de Blanc foram sendo implementados, a produção de rifles no arsenal aumentou consideravelmente.

Em 1807, os empreendedores Edward Porter e seu irmão Levi resolveram apostar no mercado de relógios domésticos e procuram Eli Terry, um relojoeiro de Connecticut. Propuseram-lhe, então, a manufatura de 4000 relógios de pedestal no prazo de 3 anos, tarefa considerada impossível. Na época, um relojoeiro não conseguia fabricar mais do que uma dezena de relógios por ano.

Os novos princípios aplicados na fabricação de armas, porém, não tinham passado despercebidos por Terry. Ele sabia que se apenas replicasse os métodos de produção artesanal de relógios, ainda que com divisão de trabalho entre vários relojoeiros, não conseguiria cumprir o prazo. Ele precisava ir além…. Assim, durante um ano, limitou-se a instalar sua fábrica, que seria impulsionada por um moinho de água; projetou, também, uma fresa para madeira e vários esquadros que possibilitassem não só produção em massa como de peças intercambiáveis. No segundo ano, ele conseguiu fabricar os primeiros 1000 relógios; no terceiro, concluiu o acordo com os irmãos Porter e entregou mais 3000.

Relógios de pedestal, no entanto, eram volumosos, complicados de serem transportados e, consequentemente, mais difíceis de vender. Em 1816, pois, Terry patenteou um modelo que podia ser colocado em uma prateleira. Para reduzir seu custo, fabricou-o totalmente em madeira, inclusive o mecanismo, sendo que o mostrador nada mais era do que numerais pintados na sua porta em vidro. Em 1823, ao perceber que relógios vinham sendo usados como objetos decorativos nas residências, patenteou um modelo aperfeiçoado com caixa decorada com colunas e floreados pintados à mão no vidro. O sucesso do modelo foi tanto que, por volta de 1830, já existia uma centena de fábricas de relógios de madeira semelhantes em Connecticut.

Um dos empreendedores da indústria de relógios da região era Chauncey Jerome que, inclusive, já havia vendido modelos com caixas de fabricação própria, mas equipados com mecanismos feitos por Eli Terry. Jerome, num momento de crise na economia americana, pensou que podia se destacar se produzisse relógios que suportassem viagens marítimas e pudessem ser vendidos no exterior. Afinal, os relógios feitos em madeira eram frequentemente danificados pela umidade e havia centenas de fabricantes deles. Fundir latão para construí-los, porém, era economicamente inviável…. E se as peças fossem estampadas em chapas de latão, através da pressão de moldes previamente construídos?

Em 1837, os relógios em metal estavam prontos e foram enviados à Inglaterra, o berço da relojoaria de alta qualidade e precisão, para serem vendidos pelo inacreditável valor de $1.50 dólares a unidade (um relógio britânico equivalente custava cerca de $25 dólares na época, o salário mensal de um trabalhador especializado). Quando foram entregues na Inglaterra, os oficiais da alfândega desconfiaram que o valor havia sido declarado a menos, com o intuito de reduzir a incidência de impostos. Jerome, conforme narrado por David Landes, contou o que aconteceu:

“Disse sempre aos meus homens de lá para porem um preço justo nos relógios, e assim aconteceu; mas os oficiais (da alfândega) acharam que o preço era muito baixo e, por isso, decidiram apreender o lote pensando que nós poríamos o preço mais alto da vez seguinte. Pagaram o lote pelo preço facturado, o que, para nós, foi uma boa venda. Alguns dias mais tarde chegou uma outra factura, que os meus homens fizeram ao mesmo preço de antes; mas o lote foi novamente apreendido pelos oficiais contra o pagamento em dinheiro do valor da factura, mais dez por cento, o que era muito satisfatório para nós. Quando chegou o terceiro lote eles começaram a pensar que era melhor deixar os Yankees venderem os seus próprios relógios e permitiram que o lote passasse sem nos incomodarem, tendo concluído que nós podíamos fazer relógios muito melhores e mais baratos do que a sua própria gente”.

Sim, de fato podiam … Mas o lucrativo mercado dos relógios de bolso permanecia intocado, uma vez que os Estados Unidos importavam todos os modelos que consumiam, devido à ausência de manufaturas nacionais. E construir relógios de pedestal e mesa era um desafio muito menor do que os diminutos modelos portáteis.

Tamanho é documento

Os fundamentos do sistema americano de manufatura haviam sido inicialmente implementados na fabricação de armas e replicados nos relógios de pedestal e mesa: os produtos eram feitos em uma fábrica integrada, com utilização de máquinas, em massa e, sobretudo, com intercambiabilidade. Porém, construir as diminutas peças de um relógio de bolso, com tolerâncias bem menores, era um salto tecnológico gigantesco, sobretudo em uma indústria que funcionava com mão de obra artesanal e dispersa, como na Suíça e Inglaterra.

Aron Dennison, companheiro de Edward Howard na manufatura de relógios de mesa “Howard e Davis”, havia visitado o arsenal de Springfield e implementado os princípios de produção em massa em sua própria empresa. Concluiu, ainda, em uma viagem à Inglaterra, que a famosa indústria local de relógios de bolso e maior exportadora para os Estados Unidos era tudo, menos racional. Dennison, citado por Landes, narrou suas impressões:

“Descobri…. que aquele que se apresenta como fabricante comprava no Lanchashire os movimentos – um conglomerado de materiais grosseiros – e dava-os a A, e B e C, e D para acabamento; e que A, B, C e D passavam várias tarefas relativas às rodas da engrenagem a E e outras tarefas a F e o corte do fuso a G e a fabricação dos mostradores, a colocação de pedras preciosas, a douradura, etc., ainda a outros, de seguida até o fim do alfabeto; e descobri como se dava estas várias partes do trabalho a pessoas de fora – as quais, se estivessem suficientemente sóbrias para estarem no local de trabalho, iriam tratar uma peça trabalhada por alguém antes deles – e vi como, nessas circunstâncias, ele aproveitaria a ocasião para ir a um pub beber e tagarelar e, talvez, ficar incapaz de trabalhar durante o resto do dia. Descobrindo que este estado de coisas é normal e minha teoria de que os americanos não encontrariam dificuldades em concorrer com os ingleses, especialmente se o sistema de intermutabilidade e a produção em grandes quantidades forem adoptados, pode ser aceite como razoável”.

Então, em 1849, num canto da sua fábrica, em Roxbury, perto de Boston, Dennison instalou ferramental necessário para iniciar a produção de relógios de bolso em solo americano; em 1853, a manufatura foi realocada para Waltham, Massachusetts.

Inicialmente, Dennison tentou fabricar um avançado modelo com corda para 8 dias, o que se mostrou uma tarefa inglória: ao final de 1852, apenas 17 haviam sido fabricados de forma totalmente artesanal pelos relojoeiros Oliver e David Marsh.

A dura realidade é que Dennison subestimou as dificuldades para a fabricação de relógios de bolso e não levou em conta sua total incapacidade para projetar máquinas para produção em série. Seu sócio, Edward Howard, disse anos depois que “o senhor Dennison era um relojoeiro competente, mas como projetista e fabricante de ferramental para relojoaria, certamente não era um sucesso….”

Em 1852, então, Howard convenceu Dennison a abandonar o projeto do relógio com corda para 8 dias e partir para um modelo tradicional de 30 horas. Com uma força de trabalho de aproximadamente 100 homens, entre 1853 e 1856, construíram 5000 movimentos, produtividade não muito diferente dos fabricantes artesanais da Inglaterra na época. Os métodos utilizados se mostraram inadequados e a fábrica caminhava inexoravelmente rumo à falência: Dennison não havia conseguido replicar na fabricação dos pequenos relógios o sistema de produção em massa, necessitando de trabalhadores especializados que fizessem o acabamento manual das peças. Em 1857, a falência da empresa foi decretada.

No leilão do espólio, o empresário Royal Robbins acabou se tornando proprietário do galpão vazio e sem ferramental que antes era ocupado pela fábrica de relógios. Isso foi positivo, já que Robbins não tentou continuar o trabalho iniciado por Dennison e Howard: ele estava determinado a recomeçar a partir do zero e sem preconceitos, pois sequer tinha formação como relojoeiro.

Para tanto, Robbins contratou o experiente projetista de máquinas Ambrose Webster, que havia trabalhado no arsenal de Springfield. Ele sabia que o ponto nodal em um sistema de produção em massa não era a divisão de tarefas entre vários trabalhadores especializados. O ponto nodal era o desenvolvimento de máquinas que pudessem ser operadas por qualquer trabalhador, mesmo sem nenhuma instrução formal em relojoaria, até mesmo crianças. Dennison e Howard haviam falhado porque tentaram replicar em uma escala maior, utilizando trabalhadores com formação, as ideias preconcebidas que existiam na arte relojoeira desde as Corporações de Ofício. Robbins narrou suas impressões a respeito de Webster:

“Além das habilidades como projetista de máquinas, o Sr. Webster tinha a valorosa qualificação, ou habilidade, para perceber a imperativa necessidade de um sistema na criação e manutenção de um empreendimento. Em Waltham, ele teve oportunidade para insistir na adoção de um sistema. Ele também esforçou-se para enfatizar a dependência vital da fábrica ao Departamento de Projeto de Máquinas”.

Webster, no decorrer dos anos seguintes, projetou o primeiro torno mecânico para relojoaria com peças intercambiáveis e controle por alavancas, fresas automáticas para fabricação de pinhões e rodas de escape, punçonadeiras automatizadas, etc.

O sucesso foi tanto que a produção da empresa, que passou a se chamar American Watch Company, ou simplesmente Waltham, pulou de 50 relógios ao ano por trabalhador, em 1860, para mais de 500, no final do século XIX.

A ênfase na máquina especializada, não no trabalhador especializado, consolidou o Sistema Americano de Manufatura.

O Império Contra-Ataca

Quando Jacques David retornou à Suíça, em novembro de 1876, ele escreveu um detalhado estudo a respeito do que havia visto nos Estados Unidos e quais medidas deveriam ser tomadas.

“Nós temos que adotar todo procedimento americano. Estamos em uma boa posição de fazê-lo, já que os experimentos já foram feitos. A indústria americana já está estabelecida e funcionando, a única coisa que temos que fazer é emulá-los da melhor forma possível, mas fazendo as adaptações necessárias de acordo com as peculiaridades da Suíça, que não existem nos Estados Unidos. Tudo indica que é necessário seguir este caminho se quisermos preservar a indústria de relógios do nosso país e não vê-la desaparecer frente a competição internacional.

Assim como não é mais possível fabricar maquinário, tecidos, móveis e armamentos sem que as fábricas sejam equipadas com ferramental aperfeiçoado, em poucos anos a indústria de relógios também terá que se adequar.

Se as fábricas que já existem nos Estados Unidos tiverem mais alguns prósperos anos, reviveremos o que ocorreu entre 1863 e 1866. Novas fábricas surgirão nos Estados Unidos e tornarão a situação extremamente difícil para os fabricantes europeus.

É na Suíça que estas fábricas devem ser construídas, e se não forem feitas aqui, o serão nos Estados Unidos. Em poucos anos, nada restará para nós, pois os Estados Unidos já exportam seus relógios para todos os nossos mercados, para a Rússia, Inglaterra, América do Sul, Austrália e Japão”.

Inicialmente, David foi boicotado pela orgulhosa indústria suíça, que não concordava em mecanizar sua produção, acreditando que seria preferível ressaltar a excelência do seu trabalho artesanal e de alta qualidade.

David não se calou, e pouco tempo depois redigiu um segundo estudo, no qual atacava a complacência e falta de atitude da indústria à medida que os meses passavam. Segundo ele, “o país já deveria estar procurando um modo de sair da rotina na qual está preso e curar uma doença extremamente grave cujos sintomas já são óbvios”, mas permanecia tranquilo, como se nada estivesse acontecendo. Foi acordado entre os produtores suíços que os estudos de David não seriam publicados, evitando chamar a atenção da indústria americana sobre o estado de coisas na Suíça.

Com perseverança e coragem, finalmente David convenceu os seus compatriotas, na expressão de Marc Barrelet, a migrar “das bancadas (de relojoeiro) para as fábricas”.

Os suíços, conforme David sugerira, iniciaram a implementação de um sistema híbrido, no qual a maioria dos componentes seria feito de forma mecanizada e em fábricas, mas com possibilidade de subcontratação de artífices especializados situados num grande distrito industrial, que podiam rapidamente se adequar às constantes variações da moda. Alteraram, ainda, os currículos de algumas escolas de relojoaria para incluir o necessário projeto de máquinas automatizadas para produção de relógios. A Longines, da qual Jacques David era um dos diretores, foi uma das primeiras a se mecanizar, aumentando consideravelmente a produção, de 20 mil relógios ao ano em 1885, para 93.000, em 1901.

A longo prazo, nas palavras de Landes, “esta adopção gradual do novo modo de produção mostrou-se extraordinariamente bem-sucedida. Como antes, a força da indústria suíça estava na versatilidade e na flexibilidade. Continuou a trabalhar para o mais vasto leque de gostos e de mercados e a gerar combinações de características novas e interessantes, destinadas a quem queria algo de diferente. Desta forma, os Suíços mantiveram o monopólio efectivo do mercado de novidades e de mecanismos complicados, ao mesmo tempo que produziam alguns dos melhores instrumentos de precisão para quem queria saber as horas e apenas isso. Ninguém conseguia concorrer com eles no respeitante a caixas ornamentais de relógios; ninguém era tão rápido a adoptar a última moda, fosse ela Art nouveau ou Art deco.”

Epílogo (ou um novo começo?)

O sucesso da Waltham, sobretudo após a Guerra Civil Americana, levou ao surgimento de diversas empresas concorrentes, como a Illinois, em 1869, Hampden, em 1877, Waterbury, em 1879, e Hamilton, em 1892. Juntas, eram responsáveis pela produção de milhões de relógios ao ano, em grande parte absorvidos pelo ávido mercado interno. Os suíços, porém, compensavam a acirrada competição nos Estados Unidos exportando para outros países.

Após a Primeira Guerra Mundial, no entanto, a indústria suíça foi severamente afetada por uma drástica redução nas vendas, ocasionada pela perda do mercado russo, fechado após a Revolução Soviética, bem como por uma crise econômica global.

Como reação, iniciaram um grande processo de cartelização da indústria, que acarretou a criação de grupos que controlavam preços, cotas de produção e políticas de exportação. Em 1934 o governo suíço oficialmente legalizou os cartéis e impôs barreiras às importações de relógios, exportação de tecnologia, dissídios trabalhistas, bem como fixou margens de lucro e produção às empresas. A legislação, que transformou a indústria suíça em um dos maiores cartéis da história, só foi revogada em 1971.

Os americanos, baseados no liberalismo econômico, seguiram outra direção, aprovando diversas leis que proibiam a cartelização de todos os setores de suas indústrias. Na verdade, a cultura americana buscava incentivar a competição entre fabricantes, já que os cartéis eram vistos como deletérios ao mercado.

Os investidores americanos, ainda, pensavam no curto prazo e dividendos, frequentemente colocando seus interesses acima daqueles da empresa e dos seus consumidores. Isso, no médio e longo prazo, acarretava pouco investimento na modernização do parque industrial e estagnação.

Na Waltham, por exemplo, a presidência foi confiada a Frederic Dumaine que, entre 1923 e 1943, conseguiu converter todos os prejuízos da empresa em lucros e distribuir polpudos dividendos aos seus investidores. Alcançou isso, porém, às custas de reduções de salário e pouco investimento em tecnologia, estendendo a vida útil das máquinas da empresa ao máximo.

Os suíços, porém, não ficaram parados e tiraram proveito da 2a Guerra Mundial, pois continuaram a fabricar relógios e desenvolver sua tecnologia, enquanto as empresas americanas eram obrigadas a construir temporizadores para bombas.

Arthur Kenison, biógrafo de Dumaine, resumiu a situação da Waltham na época em uma curiosa história:

“Um cirurgião teve a ideia de salvar um paciente com um ferimento no cérebro através de um procedimento revolucionário, por meio da sutura de um nervo. O médico precisava de uma diminuta agulha feita em ouro que possibilitasse a sutura, do mesmo modo que uma costureira faria com uma barra. O Hospital Geral de Massachusetts contatou, então, F.C (Dumaine), sob o argumento de que se tal agulha podia ser feita, ninguém melhor do que a Waltham para fabricá-la. Demorou três meses, e o único modo de fazer o buraco da agulha foi através do afunilamento desta, torção de uma das extremidades e criação de um “laço”. A agulha funcionou, a operação foi um sucesso, e o paciente viveu uma vida normal. Todos na Waltham estavam orgulhosos. Então, enviaram a agulha para um dos “cabeças” da indústria suíça, com um jornal noticiando sua elaboração e o sucesso da empreitada. Também incluso estava um bilhete oferecendo um desafio: “Façam igual, se forem capazes”. 90 dias depois chegou um pacote da Suíça. Ele continha a agulha da Waltham dividida em três partes, todas perfuradas ao centro e com roscas inseridas. O pacote não veio acompanhado de nenhum bilhete.”

A Waltham decretou falência em 1957 … Nas décadas seguintes, as empresas americanas remanescentes transferiram suas produções para a Ásia ou foram adquiridas por Suíços. O último relógio mecânico totalmente feito nos Estados Unidos deixou a fábrica da Hamilton em 1969, curiosamente, um modelo 992B de bolso.

Quase 4 décadas depois, no ano de 2007, determinado a honrar a engenhosidade dos precursores americanos que criaram um modelo de negócio copiado em todo planeta, o relojoeiro Roland George Murphy, em uma pequena manufatura situada em Lancaster, Pensilvânia, voltou a fabricar relógios mecânicos nos Estados Unidos….

Bibliografia

– The World of Watches, History, Technology, Industry, de Lucien F. Trueb.

– Watchmaking and the American System of Manufacturing, de Richard Watkins.

– On Time. How America Has Learned to Live by the Clock, de Carlene E. Stephens.

– A Revolução no Tempo. Os Relógios e o Nascimento do Mundo Moderno, de David S. Landes.

– History of The Swiss Watch Industry. From Jacques David to Nicolas Hayek, de Pierre-Yves Donzé.

– Watch Around Magazine, 001, Spring 2007.

– American and Swiss Watchmaking in 1876. Reports to the Intercantonal Committee of Jura Industries on the manufacture of watches in the United States, por Jacques David.

Fotografia da Exposição de 1876, por Library Company of Philadelphia; Jean Baptiste Gribeauval e fábrica da Waltham, por Wikipedia.org; relógio de Terry, por Smithsonian; Frederic Dumaine, por Wikitree; Roland Murphy, por RGM Watch.Co.