Relógios Mecânicos
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Artigo | Curiosidades

O Senhor das Horas

por

Flávio Maia, abril de 2025.

Em 1895, a Omega apresentou seu primeiro anúncio publicitário com o novo nome da marca, já que até então era conhecida pelo nome de seu fundador, Louis Brandt. O anúncio trazia uma figura singular: um velho de longas barbas e asas, segurando em uma das mãos um relógio Omega e, na outra, uma lança. O desenho fundia elementos mitológicos e modernos, o tempo como entidade eterna e o relógio como artefato tecnológico.

Em 1911, a Longines seguiu caminho semelhante. Em um pôster que se tornou icônico, cuja reprodução possuo e está exposta em minha biblioteca ao lado de dezenas de livros sobre relojoaria, a mesma figura alada aparece sentada entre nuvens, com uma ampulheta ao seu lado. O idoso sustenta, com esforço visível, um relógio de bolso Longines: o tempo, essa força primordial, parece agora fatigado pelo peso dos precisos relógios mecânicos feitos pelo homem.

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Estas representações não foram casos isolados. A figura conhecida como “Pai Tempo” — tradução do inglês Father Time — tornou-se recorrente na publicidade relojoeira do século XX. Sua iconografia tradicional inclui a barba branca, as asas que simbolizam a fugacidade, a túnica que remete à antiguidade, a ampulheta que marca o fluxo constante e, frequentemente, uma foice — instrumento que seria gradualmente substituído por outros símbolos nas representações comerciais.

Só passei a compreender a profundidade dessa figura após assistir a uma aula de Filosofia Clássica na Organização Nova Acrópole, na qual o professor narrou o mito de Cronos. Na tradição grega, Cronos (com “C”) era um dos titãs primordiais. Filho de Urano e Gaia, ele destronou o pai utilizando uma foice e inaugurou o que os mitos descrevem como a era dourada dos deuses. Temeroso de que seus próprios filhos o destronassem, Cronos devorava cada um deles ao nascer — até que Zeus, o caçula, foi salvo pela mãe Reia, cresceu e destituiu o pai do poder. Este ciclo brutal servia como alegoria para a sucessão inevitável das gerações e para a queda dos sistemas de poder.

Paralelamente, desenvolvia-se o conceito de Chronos (com “Ch”), não como divindade com narrativa própria, mas como personificação abstrata do tempo enquanto princípio cósmico — o fluxo inexorável que consome tudo o que existe. A semelhança fonética entre Cronos e Chronos, tanto em grego quanto nas adaptações latinas posteriores, provocou uma gradual fusão simbólica: o titã que devorava os filhos transformou-se no tempo que devora tudo o que traz à existência.

Daí nasceu, principalmente durante o período medieval e renascentista, a iconografia do Pai Tempo: um velho barbado e alado, portando ampulheta e foice. As asas representavam a velocidade com que o tempo escapa; a barba branca, a antiguidade e sabedoria acumulada; a ampulheta, o fluxo contínuo e limitado; e a foice, o poder de ceifar vidas e encerrar ciclos. A figura adquiriu força particular nas obras que meditavam sobre a transitoriedade da vida e a futilidade dos prazeres materiais.

O que torna fascinantes os anúncios da Omega e da Longines é a transformação simbólica que demonstram. Nestas representações comerciais, o Pai Tempo não aparece como um ceifador implacável, mas como um portador, quase um servidor do artefato humano. No anúncio da Omega, a foice tradicional é substituída por uma lança — não mais um instrumento de ceifa, mas de conquista. No pôster da Longines, o velho alado está sentado, como se descansasse de uma eternidade de trabalho. A ampulheta, símbolo do fluxo natural do tempo, encontra-se depositada de lado, secundária ao relógio mecânico que agora ocupa o lugar central.

Esta inversão reflete uma mudança na relação humana com a temporalidade, operada desde a Revolução Industrial: o tempo foi progressivamente transformado de força mítica em grandeza mensurável e, teoricamente, controlável. Os relógios não apenas mediam o tempo: reivindicavam autoridade sobre ele. Esta transição simboliza o próprio espírito da modernidade industrial: a natureza, antes reverenciada, torna-se recurso a ser dominado pela técnica. O tempo, antes senhor absoluto, aparece agora como uma entidade que se rende ao engenho humano. A ampulheta cede lugar ao mecanismo de precisão. O fluxo natural submete-se à medição exata.

Contudo, há um paradoxo nessas representações: para celebrar o triunfo técnico sobre o tempo, as marcas relojoeiras recorreram justamente à figura mitológica que representa sua inflexibilidade. Por mais precisos que sejam os cronômetros, algo da natureza temporal permanece além do alcance humano. O velho alado continua presente, mesmo que agora carregue o relógio em vez da foice. Quanto mais precisamente medimos o tempo, mais consciência temos de sua passagem inexorável.

Esta é a dualidade dos anúncios: eles captaram a ambiguidade fundamental de nossa relação com o tempo — um fenômeno que tentamos dominar com engrenagens e ponteiros, mas que, em última análise, continua a nos dominar, como sempre fez desde que o primeiro humano contemplou o ciclo das estações ou o movimento dos astros no céu noturno.

Posters por Longines e Omega; Cronos devorando um dos filhos, de Peter Paul Rubens, e Chronos e seu filho, de Giovanni Francesco Romanelli, por Wikipedia.