Como funciona o turbilhão
por Flávio Maia
O turbilhão, um mecanismo complexo
A influência da força da gravidade sobre a precisão do relógio mecânico tem preocupado relojoeiros há séculos. Dependendo da posição em que o relógio se encontrar no plano vertical (coroa à esquerda; à direita; para baixo; para cima), ocorrerão diferentes variações na freqüência do balanço, em virtude da alteração do seu centro de gravidade.
Um excelente relógio, portanto, que tenha sido recentemente lubrificado e ajustado para variações de temperatura, ainda sofrerá a inevitável influência da força da gravidade.
Abraham-Louis Breguet, um dos maiores relojoeiros da história, perturbado com isto, idealizou um mecanismo extremamente complexo para compensar tais erros: o turbilhão.
Como funciona o turbilhão
O turbilhão, patenteado por Breguet em 1801, é um mecanismo que gira o escapamento sobre seu próprio eixo em intervalos regulares, equilibrando os erros ocasionados em virtude da influência da gravidade. O escapamento, no turbilhão, é montado sobre um suporte (A) que contém um pinhão (H) impulsionado pela terceira roda (E). A quarta roda (F), fixa, é concêntrica ao eixo do suporte. O pinhão da roda de escape (G) engrena-se com a quarta roda fixa (a maioria dos modelos equipados com turbilhão não possui ponteiro de segundos: a quarta roda fixa “é” o próprio turbilhão). O exemplo a seguir demonstrará o princípio de funcionamento do turbilhão.
Imaginem um relógio com as seguintes variações diárias: coroa para cima: + 1 segundo; coroa para baixo: – 1 segundo; coroa à esquerda: 0 segundo; coroa à direita: 0 segundo.
Este relógio, colocado na posição “coroa para baixo” durante 5 dias, atrasaria 5 segundos; mais 7 dias na posição “coroa para cima”, adiantaria 7 segundos. É fácil perceber que, ao final de 12 dias, o relógio estaria com apenas 2 segundos de adiantamento.
O que aconteceria com o mesmo relógio se nele instalássemos um turbilhão? Também é fácil perceber que este relógio não sofreria variação alguma, uma vez que todos os erros estariam se compensando mutuamente durante o dia (1 segundo – 1 segundo = 0 segundo. As posições coroa à esquerda e à direita não causavam variação).
O turbilhão, portanto, tende a equilibrar os erros ocorridos em virtude da posição do relógio, aumentando sua precisão.
Por que relógios equipados com turbilhão custam tão caro?
A construção do turbilhão é efetuada observando-se as menores tolerâncias mecânicas possíveis. Ele não pode se pesado nem provocar atrito. Lembrem-se que o turbilhão é movimentado pela energia fornecida pela mola principal, que também é responsável pelo movimento de todas as engrenagens. Qualquer distúrbio no funcionamento do turbilhão efetivamente causará o inadequado funcionamento de todo sistema.
O ajuste do escapamento num relógio equipado com turbilhão também é extremamente complexo. Cada regulagem do balanço, por exemplo, acarreta a desmontagem de todo o turbilhão. Tudo isso acarreta aumento de custos.
O esquema do turbilhão existente no modelo IWC Destriero Scafusia demonstra a complexidade do mecanismo. Ele é composto por aproximadamente 100 peças e pesa apenas 0,296 gramas. O número 1 indica a parte superior do suporte; o 2 o balanço; o 3 a ponte do escapamento em titânio; o 4 a seção média do suporte, em titânio; o 5 as levées; o 6 a roda de escape; o 7 o sistema anti-choque; o 8 a parte inferior do suporte, com o pinhão; o 9 a quarta roda fixa.
Análise técnica do turbilhão
Jean-Claude Nicolet, relojoeiro professor em La Chaux-de-Fonds, em artigo publicado na revista Europastar, criticou veementemente a eficácia do turbilhão. Apesar de possuir pouquíssimos conhecimentos práticos em relojoaria, discordo das suas conclusões. Aconselho a todos os leitores, antes de seguirem adiante, a ler o referido texto, que se encontra aqui.
O leitor mais atento deve estar se perguntando como um simples interessado pode ter a audácia de contestar um relojoeiro conhecido mundialmente. Minha intenção não é esta, mas sim incitar um debate mais profundo sobre o mecanismo.
Segundo o professor Nicolet, o turbilhão só oferece alguma vantagem se o relógio varia sua posição vertical ocasionalmente. Se as variações de posição são freqüentes durante o dia, as compensações ocorrem naturalmente. Conclui dizendo que, baseado nisto, um relógio de pulso equipado com turbilhão não é mais preciso do que um sem o mecanismo.
Ora, este conclusão é extremamente generalizante! A precisão de um relógio mecânico depende fundamentalmente dos hábitos do usuário. Durante o dia, por exemplo, meu relógio permanece a maior parte do tempo na posição aproximada de “coroa à esquerda”, pois fico com os braços cruzados sobre uma mesa ou digitando. Durante a noite, o relógio é guardado na posição “mostrador para cima”, não vertical, e, portanto, não compensada pelo turbilhão.
Observe-se que meu relógio não sofre diversas variações de posição durante o dia. É evidente, então, que um relógio equipado com turbilhão seria uma grande vantagem para mim, em virtude dos meus hábitos. Também é importante ressaltar que o turbilhão foi projetado numa época em que somente existiam relógios de bolso, que sofriam poucas alterações de posição.
É impossível aferir, de forma precisa, o comportamento de um relógio sem turbilhão. O relojoeiro pode tentar ajustar o relógio para os hábitos do usuário, de modo a compensar as variações de precisão ocasionadas pela mudança de posição. O turbilhão, porém, é o método perfeito, já que sempre estará equilibrando o erros.
Afirma posteriormente Nicolet que o turbilhão, por utilizar energia direcionada ao balanço, ocasiona alterações na sua amplitude. Segundo informações de diversos relojoeiros que freqüentam sites de discussão sobre relógios, a amplitude do balanço de um relógio equipado com turbilhão em nada difere daqueles desprovidos do mecanismo. Isso, salvo engano, também é asseverado por George Daniels. As alegações do professor Nicolet, portanto, são no mínimo contestáveis.
Apesar de toda controvérsia existente sobre o turbilhão, ele é uma demonstração impressionante de técnica relojoeira. Além disso, é extremamente interessante observar seu funcionamento.
Esquema do turbilhão por David Penney; vista explodida do turbilhão por IWC; close do turbilhão Breguet por Michael Sandler.